Eleito deputado federal em 1987, o gaúcho Nelson Jobim chegou à Câmara já credenciado a instalar-se no informal conselho de cardeais que governa a instituição. Nascera em Santa Maria, à sombra de uma árvore genealógica que faria bonito em qualquer bosque aristocrático. Da galharia pendem pencas de celebridades políticas, entre as quais Valter Jobim, o avô governador, o pai Hélvio, advogado e deputado estadual, e o tio-avô Plácido de Castro, festejado em livros de História como o conquistador do Acre. Ainda no berço, o menino pôde ver seu destino. Estava escrito no meio das folhagens da árvore familiar.
Formado em Direito, esbanjou talento como advogado e professor universitário. A imagem de grande jurista estava consolidada, e ultrapassara as fronteiras do Rio Grande, quando Jobim se elegeu deputado. O currículo brilhante dispensou o recém-chegado do período de obscuridade imposto aos novatos. Em poucas semanas, raros parlamentares ignoravam quem era aquele homem corpulento e cordial, trajando ternos bem cortados que imploravam por alguns quilos a menos, e emitindo com voz suave e segura opiniões sensatas. Findo o mandato, Jobim cintilava no alto clero.
Desempenhara com brilho as missões que lhe foram confiadas durante a montagem da Constituição. No PMDB, subira aos pulos os degraus que levavam à liderança da bancada. Reeleito em 1991, enriqueceria a trajetória com gestos de independência. Relator da CPI que investigou denúncias de corrupção no governo Collor, por exemplo, criticou com dureza falhas do processo antes de votar a favor do impeachment.
Deixou o Congresso em 1995 para assumir o Ministério da Justiça do governo Fernando Henrique, que achava especialmente agradáveis os despachos com Jobim. "Além de muito inteligente, ele nunca perde o humor", dizia FH. Em 1997, foi indicado para o Supremo Tribunal Federal, que hoje preside. Equilibrado, conciliador, exibe aos 59 anos o perfil ideal para o cargo. Esse é o Nelson Jobim que conheci há 13 anos.
Não o reconheço no Nelson Jobim que circula por aí desde fevereiro, disposto a manchar uma bonita biografia para conseguir aumentar o salário dos ministros do STF. Atualmente, ganham R$ 17.300. Jobim reivindica R$ 21.500 retroativos a janeiro. E defende o pagamento da mesma bolada mensal aos integrantes do Legislativo. Transformou-se, assim, no principal aliado do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti.
Como a maioria dos deputados preferiu evitar a ira dos brasileiros, e negou apoio a Severino, Jobim descobriu uma esperta brecha na lei. O aumento indecoroso poderia ser autorizado, sem consulta aos parlamentares, por um papel assinado em conjunto por Severino e por Renan Calheiros, presidente do Senado. E então a manobra naufragou: depois de ter captado as dimensões da indignação nacional, Renan se recusou a participar da manobra. Demorou, mas os brasileiros vão descobrindo uma verdade tão antiga como a democracia: o povo é o patrão dos Três Poderes, não o contrário. O povo-patrão não pretende conceder aumentos abusivos.
A aparição da face gulosamente corporativista de Jobim surpreende e decepciona amigos e admiradores do atual presidente do STF. Mas não deixa de oferecer lições bastante úteis. A aliança entre o antigo cardeal e o rei do baixo clero mostrou que a diferença entre os grupos está na pose, no figurino, no repertórios verbal: quando se trata de defender o próprio bolso, todos são severinos. Paradoxalmente, a manobra clerical tropeçou em Renan Calheiros, que só crê nos deuses que distribuem verbas e cargos.
A tentativa malogrou, felizmente. Mas que pena, ministro Nelson Jobim. Que pena.
quarta-feira, 5 de setembro de 2007
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